STRESSE E DEPRESSÃO
A noção actual de stresse (stress) vem de Hans Selye, um húngaro que viveu nos
Estados Unidos da América e foi o autor de uma série de livros com um mesmo e
elucidativo título: O Síndroma Geral da Adaptação (I, II, III, IV). Visivelmente
preocupado com problemas de adaptação ao meio, Seley concebeu à partida o stresse
como a reacção normal do organismo aos estímulos que o agridem1.
A frequência e a acumulação destes estímulos levam por vezes a um excesso destresse.
Pode também acontecer algo de inesperado, um acidente que provoque um stresse
traumático. No struggle for live, passa, assim, a haver um bom stresse(eustresse) e um
mau stresse (disstresse), uma resposta inadequada que deixa o indivíduo sem defesa e o
empurra para a fuga. Contudo, os agentes stressores só precipitam realmente a doença
quando há já uma predisposição para esta, a chamada diátese.
Falando do quadro teórico elaborado por Selye, Luís Gamito propôs que concebêssemos
a pessoa humana como um castelo com 4 torreões: os pensamentos ou cognições, os
movimentos ou comportamentos, os batimentos ou ritmos vitais, e os afectos ou
enamoramentos. A boa saúde dependeria, então, de que no interior desta pessoa-castelo
houvesse força e harmonia suficientes para impedir que os seus inimigos entrassem
Que inimigos são estes? Hoje em dia, considera-se que os factores mais stressantes
dizem respeito ao trabalho e aos afectos. Mais pormenorizadamente, existe o
desemprego, as intermináveis filas de trânsito, a competição e os horários excessivos
nas empresas, as dificuldades económicas e financeiras, as humilhações, frustrações e
contrariedades quotidianas, o sentimento de solidão, o fracasso matrimonial e os
1 É exactamente o que diz Lacan em 1962, ao referir-se a esta nova teorização da nossa área cultural: que se trata de uma demanda feita à função para que mantenha em vida o organismo (cf. Lacan : Le Séminaire X, l´Angoisse (1962-1963), Seuil, Paris, 2004).
conflitos familiares, a morte de alguém mais chegado, e todas as «loucuras» do dia e da
noite, como os excessos de tabaco, álcool e droga.
Os sinais de alerta mais correntes são: dores de cabeça, fadiga, perturbações
cardiovasculares e gastrintestinais, disfunções sexuais. Quando estes sintomas não são
tratados a tempo, a situação tende a agravar-se. As doenças mais frequentes são as
perturbações do humor e do sono, a hipertensão, as colites e as gastrites.
Os médicos aconselham de fortalecer o organismo com vitaminas B e C, a compensar a
falta de minerais essenciais como o magnésio, o cálcio ou o zinco, bem como a ter mais
cuidado com os hábitos alimentares, pois não é apenas importante ter cuidado com o
que se come, mas também com a maneira como comemos.
Os fisiologistas interessaram-se pelo fenómeno do stresse sobretudo ao nível da reacção
dos sistemas simpático, medulo-supra-renal, e hipófiso-cortico-supra-renal São agentes
simpatomiméticos as substâncias químicas que minam a resposta desencadeada pelo
sistema simpático. O mais comum destes agentes é a cafeína, contida no café, no chá,
ou em bebidas como a Coca-Cola, o chocolate e o cacau. Os sintomas da hipoglicemia
(ansiedade, cefaleia, tonturas, tremores e aumento da actividade cardíaca) podem
transformar os estímulos normais em factores agudos, reduzindo a tolerância ao stresse.
Tanto a hipoglicemia racional, causada pela alta ingestão de açúcar durante um
determinado período, como a hipoglicemia funcional, que ocorre quando não fazemos
as refeições no momento certo, podem também induzir ao stresse. O íon sódio do sal
causa retenção excessiva de líquidos e tem o efeito de aumentar a tensão nervosa através
do edema. Esta retenção excessiva de líquidos leva à elevação da pressão arterial, uma
manifestação comum da reacção ao stresse. Se a pressão arterial já for alta, a elevação
da pressão durante o stress pode ser suficiente para aumentar o risco de acidentes
vasculares cerebrais, ataques cardíacos ou hipertensão crónica. A ingestão excessiva de
alimentos resulta em obesidade, que, por sua vez, é a causa várias doenças.
Basta ir à Internet para nos informarmos destas doenças, dos sinais de alerta e da
existência das inúmeras estratégias médicas e psicossociais para controlar e lidar com o
stresse: terapêutica medicamentosa, terapias cognitivo-comportamentais, treino de
aptidões sociais, técnicas de relaxação, etc, etc, etc.
Algumas destas técnicas ocupam-se preferencialmente dos tempos livres. Convidam as
pessoas a criar um espaço para a realização de actividades que proporcionem prazer:
conversar, ir as compras, ler, ouvir música, ver filmes, praticar desportos.
Outras visam induzir um estado no qual assume particular relevo a respiração. Trata-se
de ter um melhor conhecimento e controlo do corpo bem como das suas capacidades de
concentração. Para um máximo de eficácia, pode ser importante fazer regulamentação
abdominal, relaxamento muscular progressivo, musicoterapia, ioga e outras artes
A Fitoterapia também pretende ajudar contra algumas manifestações do stresse. Por
exemplo, plantas como o Crataegus, Escholtzia, a Passiflora e a Valeriana são utilizadas
Entre os diversos químicos receitados para as perturbações do stresse, da ansiedade e do
sono temos: os tranquilizantes como os neurolépticos que actuam contra os estados de
angústia aguda. Os antidepressores, mais conhecidos como antidepressivos, que actuam
também contra as crises de pânico. Os ansiolíticos, sedativos e hipnóticos, que actuam,
por exemplo, contra a insónia. Bem entendido que todos estes medicamentos requerem
prescrição médica; e é importante respeitar a posologia, o horário das tomas e a duração
Assim vai o mundo, o seu stressee mercado terapêutico. Mas o que é que o psicanalista
Em primeiro lugar, que a ideia directriz de Selye não é propriamente nova, já que
corresponde aproximadamente ao que Gustav Fechner chamou o princípio do prazer.
Depois de ter formulado em 1848 este princípio universal, Fechner assimilou-o ao
princípio da conservação da energia enunciado por Robert Meyer e desenvolvido por
O Princípio do prazer foi proposto por Fechner como a chave do funcionamento de
todos os sistemas vivos. Em 1895, Claude Bernard acrescentou-lhe o conceito de
meio interno (milieu interne), que designa o facto do organismo ter a capacidade de se
defender contra os estímulos nocivos e, assim, proteger a sua vida das variações do
No início do século XX, Walter C. Cannon deram continuidade à mesma ideia com a
sua homeopatia, ou seja, o conjunto de reacções que permitem manter os estados
estáveis do corpo vivo. É desta regulação interna do organismo que deriva a noção
mais contemporânea de homeostasia.
A homeostasia orienta também hoje a investigação em neurobiologia. Por exemplo, o
neurologista António Damásio explica que, para lá da primeira regulação automática
do órgão cerebral efectua (ao nível mais antigo ou do hipotálamo), a consciência que
se situa no córtex (cérebro mais recente) permite desenvolver estratégias originais
face às adversidades do ambiente exterior. O valor da consciência seria, pois, de
apresentar um novo meio para obter a homeostasia. Ao cérebro consciente como
máquina homeostática, Damásio acrescenta mesmo agora a homeostasia social e
Ora, sabemos que Freud tirou do princípio de Fechner consequências que não
condizem com a homeostasia. A psicanálise mostra que, no ser humano, há algo que
está para além do princípio do prazer, que não é só uma excepção à regra da
diminuição ou da redução das tensões vitais a zero, mas um novo princípio do
Pelo simples facto de falar, o real do ser humano deixa de ser apenas molécula e onda,
como se dizia no século XIX. O seu organismo não funciona mais como o dos outros
entes vivos, pois os comportamentos passam a ser mediados pela causalidade psíquica
É este para além do princípio do prazer e de adaptação à realidade que leva à
formação, em cada sujeito, de uma nervosidade irredutível. Esta provoca um mal-
estar na civilização, que não é só individual e colectivo, mas estrutural.
Dos primeiros artigos sobre as neuroses actuais e as psiconeuroses de defesa até ao
Mal-estar na civilização, Freud fala não só da nervosidade geral (gemeine Nervosität)
do ser humano como da sua neurose normal. As pressões que provocam estas neuroses
não são só ambientais e orgânicas; o que interessa particularmente a psicanálise são as
pressões oriundas da realidade psíquica, nomeadamente, do inconsciente e seus efeitos
Apesar ou até por serem dois conceitos fundamentais da psicanálise, inconsciente e
pulsão têm vindo a ser rejeitados por médicos e psicoterapeutas. Mesmo se os
cognitivistas admitem hoje que os comportamentos também são determinados por
pensamentos inconscientes, aquilo que chamam inconsciente – basicamente, certos
automatismos inatos ou aprendidos – nada tem a ver com o inconsciente freudiano.
O inconsciente psicanalítico não está inscrito no genoma humano. Ele é tão só e
unicamente um efeito da linguagem sobre o psiquismo que não chega à consciência ou
que esta rejeita. E no que respeita aos efeitos da linguagem sobre o corpo próprio e o
organismo a que chamamos pulsão, nem vale a pena falar, pois esta continua a ser
traduzida por «instinto», termo fora de moda na era da biologia molecular.
A ideia que predomina actualmente é que são as discrepâncias entre as exigências da
sociedade e os recursos do indivíduo que o desadaptam e provocam stresse. Seriam
sobretudo estas discrepâncias que estariam na origem da suspensão ou eliminação dos
mecanismos de defesa dos homens e sobretudo das mulheres.
Existem estudos que afirmam que os homens aprendem mais cedo a lidar com o stresse,
na medida em que em crianças terão enveredado por brincadeiras mais perigosas,
praticado desportos mais violentos, ou tido mais comportamentos de exploração do
mundo à sua volta. Em contrapartida, o sexo feminino estaria mais preparado para
Mas se homens e mulheres apresentam sintomas semelhantes aos que são actualmente
descritos no Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais2, o que o
psicanalista escuta é quase sempre outra coisa.
2 American Psychiatric Association: DSM-IV, tradução portuguesa, 4º edição, Climepsi, Lisboa, 1996.
Dou apenas um exemplo. Uma jovem professora veio falar comigo por causa do que se
passou numa turma em que dava aulas. Como ficou muito abalada depois do sucedido,
consultou primeiramente o seu médico de família, que lhe aconselhou vivamente um
psiquiatra. Este confirmou o diagnóstico de Perturbação Pós-stresse Traumático e
receitou-lhe antidepressivos, mas que nunca foram suficientes para que pudesse retomar
o seu trabalho. Foi então, a conselho de um amigo, que decidiu procurar um
O que aconteceu na aula? Um aluno utilizou o vidro do mostrador do seu relógio de
pulso como espelho, para projectar no traseiro da professora um raio de sol que entrava
pela janela. De cada vez que a professora virava as costas à turma para ir escrever
qualquer coisa no quadro, todos riam, sem que ela soubesse porquê. A cena repetiu-se.
Um dia, a professora arranjou um estratagema para descobrir o que realmente se
passava: virou-se de repente e viu o raio de sol iluminar, desta vez de frente, a sua
sombria vida sexual. Os alunos riram mais do que nunca, e ela sentiu-se então gozada,
violada pornograficamente na turma pelo rapaz.
Outra pessoa podia ter lidado de maneira diferente com a delicada situação, por
exemplo, troçar do aluno apanhado em flagrante delito, dar-lhe uma lição de moral,
castigá-lo, ou até expulsá-lo do colégio. Mas esta jovem professora não conseguiu nada
disto. Ficou extremamente angustiada, paralisou, pediu uma baixa ao seu médico,
começou a tomar antidepressivos e deixou de ir à escola dar as suas aulas.
Sem querer entrar no segredo profissional, digo apenas que a análise permitiu a esta
senhora entender de outro modo o stresseque lhe tinha sido diagnosticado. Na verdade,
este escondia uma patologia histérica clássica, mas como a histeria foi excluída do
DSM-IV, os adeptos do famoso Manual não podem mais reconhecer e tratar este velho
mal. Isto significa que algumas das emoções que estranhamente se entranham nos
nossos pensamentos, movimentos e batimentos não podem ser verbal e mentalmente
elaboradas, porque os actuais técnicos da saúde as percepcionam através de nomes de
coisas que não existem ou que tem pouco interesse para o caso, como o stresse
traumático desta professora. Podemos, então, dizer que é pior a cura que a doença,
porque impede que o sujeito interrogue as verdadeiras razões e motivos que levaram ao
Depressão
É interessante que um prémio Nobel como o filósofo e economista austríaco F.A.
Hayek, tenha dado, como primeiro exemplo nefasto dos erros do construtivismo3, a
influência desta corrente do pensamento contemporâneo sobre a psicologia e a
psiquiatria do século XX, nomeadamente sobre Brock Chisholm, o psiquiatra canadiano
que foi o primeiro Presidente da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Como a depressão foi uma entidade clínica construída pela psiquiatria contra a
psicanálise, vou demorar-me aqui um pouco sobre o real escamoteado pela agora
Para o efeito, recorro à definição da depressão do quarto Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais4, volume aceite hoje pela maioria dos psiquiatras,
investigadores e técnicos da saúde das mais diversas áreas e tendências.
No que diz respeito à abundante literatura psicanalítica sobre a depressão, as minhas
referências serão essencialmente as seguintes: em primeiro lugar, a recente síntese feita
pelo Presidente da Associação Psicanalítica Internacional (IPA), Daniel Widlöcher5. Ao
nível nacional, servir-me-ei do que diz um colega da Sociedade Portuguesa de
Psicanálise, António Coimbra de Matos. A tese que defende num volumoso texto6
encontra-se resumida do seguinte modo na primeira linha do prefácio ao livro do seu
amigo León Grinberg: a depressão relaciona-se com a perda narcísica; donde, a motivação princeps ser a perda do amor do objecto – o que a distingue, em modelo
3 F.A. Hayek: New Studies in Philosophy, Politics, Economics and the History of Ideas, Routledge &
Kegan Paul, London and Henley, London, 1978. Aproveito para agradecer a Carlos Leone esta referência.
4 American Psychiatric Association: DSM-IV, tradução portuguesa, 4º edição, Climepsi, Lisboa, 1996.
5 Daniel Widlöcher: As lógicas da depressão, tradução portuguesa, Climepsi, Lisboa, 2001.
6 António Coimbra de Matos: A Depressão, Climepsi, Lisboa, 2001.
teórico, do luto, relacionado com a perda do objecto amado.7 O deprimido sofreria,
pois, da perda do verdadeiro amor e não somente da perda das pessoas que lhe podiam
dar esse amor. Por fim, referir-me-ei ao que publicaram há pouco tempo três
psicanalistas franceses que são também psiquiatras, Sophie Bialek e Pierre Sidon, e
Foi em 1957 que se descobriu, por acaso, que uma molécula próxima da fenotiazina
(esta já comercializada como psicotrópico para as «doenças dos nervos» com o nome de
Largarctil) e utilizada num certo antialérgico, a imipramina, tinha efeitos antipsicóticos
sobre a melancolia, estado psíquico grave considerado afectar 1% da população.
A história que vai da melancolia à actual depressão começa com a bílis negra de
Hipócrates, passa pela loucura parcial ou lipemania de Esquirol, a psicose maníaco-depressiva de Kraepelin e acaba no actual diagnóstico diferencial das perturbações do
humor, em particular, na diferença entre a perturbação depressiva major (unipolar) e a
perturbação bipolar (I e II). Podemos também ler este último passo no DSM-IV.
O que é o DSM-IV (editado pela primeira vez em 1994) e como é que lá chegámos? A
série dos DSM (Diagnostical and Statistical Manual of Mental Disorders) é a
classificação psiquiátrica americana das perturbações mentais. Como quase tudo o que
vem dos Estados Unidos da América, esta classificação dos sintomas típicos acabou por
suplantar historicamente a sua correspondente europeia e internacional, o código de
diagnóstico da International Classification of Diseases ann Related Health Problems
(ICD da OMS), presentemente na sua 10ª edição. O melhor compromisso que os dois
sistemas de categorias arranjaram para não haver grande incompatibilidade entre ambos,
foi de afinar regularmente os seus diapasões.
O DSM I (1952) e o DSM-II (1968) eram ainda largamente influenciados pela clínica
psiquiátrica clássica e a psicanálise. É só com o DSM III, editado em 1980, que tudo vai
mudar. Contra a maioria dos psis da época, os dirigentes da Associação Psiquiátrica
Americana, apoiados pelos trusts farmacêuticos que queriam ver reconhecido o valor
7 León Grinberg: Culpa e depressa, Climpesi, Lisboa, 2000.
8 Cf. Forum Psi e Agence Lacanienne de Presse (o leitor pode encontrar links para estes sites na página da Antena do Campo Freudiano: http://usuarios.lycos.es/acfportugal/acfportugal.htm).
científico e comercial dos seus medicamentos, conseguiram impor aos técnicos da saúde
uma abordagem anti-psicanalítica da doença mental.
Uma das consequências mais visíveis é que a melancolia desapareceu como quadro
clínico do DSM, entrando para o seu lugar a depressão major. Enquanto o diagnóstico
psiquiátrico da melancolia repousava sobre características qualitativas (por exemplo, a
compreensão do sentido do vivido consciente, ou a perda do eu como objecto de amor),
o diagnóstico da depressão major vai repousar basicamente sobre dados quantitativos.
As equipas que estiveram por detrás dos Manuais DSM-III e IV insistiram em
apresentar o seu trabalho como uma descrição objectiva feita por um observador neutro
ou científico; cada uma das perturbações mentais é encarada como um síndrome ou um
padrão comportamental. A normalidade resulta da média estatística e o critério
diagnostico assenta na observação dos sinais e sintomas da patologia subjacente.
No caso da depressão, será necessário constatar pelo menos cinco características durante
um período de pelo menos duas semanas: humor depressivo ou tristeza durante a maior
parte do dia; diminuição do prazer e do interesse por todo o tipo de actividades; perda
de peso ou aumento anormal do apetite; insónia ou hiperinsónia todos os dias;
lentificação (ou agitação) psicomotora todos os dias; fadiga quotidiana; desvalorização
ou culpa excessiva; diminuição da capacidade de pensar e de concentração;
pensamentos recorrentes acerca da morte e do suicídio.
Para além da depressão pós-parto, o Manual leva ainda em conta as variáveis do sexo e
da idade, e aconselha a que se descarte do diagnóstico de depressão sintomas causados
por uma doença física (ex: hipotirodismo), uma variação hormonal, efeitos colaterais de
uma substância ingerida (droga ou medicamento), ou por algum factor psicossocial
Apesar de afirmar que não há dados laboratoriais com valor diagnóstico, o Manual não
deixa de assinalar a existência, nos estados depressivos, de um certo número de
distúrbios dos mecanismos vitais, como anormalidades do EEG, perturbações do sono e
dos neurotransmissores (norepinefrina, serotonina, acetilcolina, dopamina e ácido-
Os antidepressores passatam a ser aconselhados pelos psiquiatras americanos e europeus
no tratamento desta perturbação do humor, a ponto do insucesso terapêutico ser
atribuído ou a um erro de diagnóstico ou de escolha medicamentosa.9
A investigação fundamental está hoje a cargo das neurociências e dos laboratórios
químicos. Por sua vez, os psiquiatras limitam-se cada vez mais a receitar psicofármacos,
pois delegam a sua prática clínica nos psicólogos cognitivo-comportamentais. Estes
últimos procuram sobretudo incrementar a actividade no paciente e mudar a sua conduta
Escusado será dizer que estas abordagens da doença depressiva não só rejeitam
normalmente a psicanálise como toda a compreensão fenomenológica e humanista da
Voltemos à depressão major. Esta começa por equivaler à depressão caracterizada pelos
critérios do DSM. À partida, não se trata necessariamente de uma depressão psicótica,
pois o episódio depressivo pode ser severo, ou ter apenas uma intensidade moderada e
mesmo ligeira. A depressão major inclui, pois, a antiga melancolia e as chamadas
depressões reactivas ou neuróticas (depressão minor).
A partir dos anos 80, os diagnósticos de depressão grave começaram espantosamente a
aumentar. O que se passou? Houve certamente um agravamento dos factores
ambientais, mas existiu também uma projecção da ambiguidade semântica da entidade
depressão maior sobre o conjunto dos estados depressivos, que teve como efeito que o
espectro ameaçador da melancolia começasse a pairar como nunca sobre as populações.
Por outro lado, a epidemiologia começou a defender o papel dos factores genéticos e da
hereditariedade na transmissão da doença depressiva, alertando para o alto risco de
9 O tratamento farmacológico dos episódios agudos e de manutenção da depressão maior e da distimia obedece aos seguintes passos (Rush, 1998): ensaio clínico e terapia de manutenção com antidepressivo; aumento da dose ou troca de medicamento; potencialização do antidepressivo; uso de inibidores da monoaminoxidase (IMAO); combinações de antidepressivos; eletroconvulsoterapia (ECT).
suicídio que acarreta. Daí a necessidade de efectuar tratamentos mais pesados, que irão
por vezes até ao internamento compulsivo.10
Em 1995, um Relatório publicado em França sobre As Doenças Depressivas, da autoria
de Lôo, Olié e Marie France Poirier, defendia claramente a causalidade endógena da
depressão major. No entanto, este esposava uma epistemologia reducionista, segundo a
qual a eficácia de um medicamento prova a causa orgânica da perturbação sobre a qual
opera. Mas postular que a depressão está sob o domínio de um gene, é colocar num
mesmo determinismo genético coisas tão diferentes como a tristeza emocional, a
inibição motora, a insónia, o sentimento patológico de culpa, a ideia auto-recriminadora,
o mutismo, a utilização preferencial de certos tempos verbais, ou a vontade apaixonada
É ainda durante os anos 90 que os laboratórios farmacêuticos colocam no mercado uma
nova geração de inibidores selectivos da reabsorção da serotonina, entre os quais o mais
famoso virá a ser o Prozac. A promoção de vendas que se seguiu a esta nova oferta – do
estilo Marx e Freud não teriam escrito o que escreveram se tivessem tomado Prozac –
contribuiu igualmente para ampliar o diagnóstico de depressão major. Estas campanhas
de marqueting fazem-se normalmente em determinadas estações do ano, essencialmente
no Outono e Inverno, porque se constatou que o mau tempo podia aumentar os estados
depressivos. Pelas razões expostas e outras mais, não é estranho que a depressão se
tenha tornado pouco a pouco a nova praga do século.
Um outro Relatório entregue ao Ministério da Saúde francês em 2001, intitulado
Itinéraire des déprimés, pretendia mesmo, de maneira algo escandalosa, que aquilo que
deve preocupar não é o aumento do número de deprimidos, mas o facto destes não
estarem devidamente medicados, pois só 5% tomariam antidepressores de maneira
Era igualmente sugerido que os principais responsáveis desta incúria são todos – e eles
são muitos: intelectuais, jornalistas, psis, as famílias dos doentes e até os próprios – os
10 Alguém que esteve internado recentemente em Portugal por depressão, disse-me que nunca viu no serviço um psiquiatra nem um psicólogo. Ao fim de uma semana sob antidepressivos, só pensava em assinar a declaração de responsabilidade que lhe permitiria sair imediatamente do Hospital.
que veiculam, em privado e em público, a ideia que a depressão não é propriamente
uma doença, mas um conjunto de estados de espírito que resultam em grande parte da
pobreza física e mental com que os sujeitos vivem as actuais condições de existência.
Para além do chamado efeito placebo/nocebo, uma das outras das questões levantadas
pelos opositores deste tipo de Relatórios foi a da eficácia real dos antidepressores.11 De
facto, a influência sobre os médicos dos estudos científicos feitos para provar o terreno
biológico da depressão (risco genético, estrutura e funcionamento do cérebro deprimido,
etc.), levaram que a quase totalidade dos pacientes que consultam hoje um psicólogo ou
um psicanalista já tenha tido um ou mais tratamentos medicamentosos, e correctamente
administrados, contrariamente ao que pretende uma certa psiquiatria universitária para
justificar o seu falhanço científico. O que acontece, é que muitos destes sujeitos
medicados considera os psicofármacos insuficientes e por vezes prejudicais, acabando
por diminuir as doses que lhes receitam ou até por abandonar médicos e fármacos.
Paralelamente à alegria artificial proporcionada por alguns destes medicamentos, existe
também uma queixa relativa aos seus efeitos colaterais e secundários. Basta pensar que
os antidepressores podem provocar disfunções sexuais, angústia, alucinações e até
delírio. Estes efeitos secundários são conhecidos dos investigadores e descritos na
literatura mais especializada, mas os clínicos gerais que receitam antidepressivos
desconhecem-nos muitas vezes, pois não estão mencionados na literatura simplificada
que lhes é fornecida pelos laboratórios e as embalagens de consumo.
11 A neuroquímica da depressão defende que esta é causada em pessoas predispostas por anomalias na captação da norepinefrina ou por défices de serotonina. Os cientistas procuraram confirmar estas hipóteses da psicofarmacologia, pois os doentes que os psiquiatras medicavam com inibidores selectivos de recaptação de serotonina (ISRSs) e cloridrato de fluoxetina C (Prozac) pareciam melhorar. Com o tempo e também a consciência de que os pacientes escolhiam por vezes estes medicamentos pelos seus efeitos secundários (boa disposição artificial, etc.), os cientistas chegaram à conclusão que as referidas hipóteses podiam conduzir a teorias gerais demasiado simplistas. Não só existe uma grande complexidade de interacção entre os diferentes sistemas químicos do cérebro, como se provou que as reacções químicas podiam igualmente derivar do não-químico. Assim, uma equipa de investigadores da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, mostrou laboratorialmente que terapias não-químicas (utilizou-se a terapia cognitivo-comportamental, mas pouco importa para o caso) podem provocar alterações comparáveis às intervenções químicas do ponto de vista da actividade cerebral. Mais recentemente, um estudo com doentes de Parkinson, realizado por pesquisadores da Universidade da Colômbia Britânica, no Canadá, mostrou que o simples facto de receber um qualquer tipo de tratamento produz efeitos, devido à expectativa de benefício que este cria. No caso dos doentes canadianos, a crença de estarem tomando algo de realmente eficaz contra a sua doença causou a libertação de dopamina, um mensageiro químico do cérebro, envolvido, entre outras coisas, no controle dos movimentos automáticos ou involuntários do organismo.
Por vários motivos – modificação efectiva do estado do cérebro, alívio de uma dor
intolerável, etc., – há casos em que parece aconselhável receitar medicamentos às
pessoas ou não lhes pedir para que os deixem de tomar. Noutros, o psicoterapeuta pode
convidar o paciente a separar-se da influência que os produtos químicos exercem sobre
o seu metabolismo, para que possa se reencontrar melhor como sujeito de uma queixa
cujas causas convém investigar pela palavra e o pensamento. O tratamento
medicamentoso é, então, devidamente interrompido, de modo a poder estabelecer um
diagnóstico mais acertado. Por vezes, a simples interrupção do fármaco conduz a
melhoras visíveis. Mas, na maioria dos casos, este tipo de efeitos apenas se obtém com
uma psicanálise levada até às suas últimas consequências.
Dou apenas um exemplo. Um homem veio consultar-me depois de lhe ter sido
diagnosticada uma depressão cinco anos antes. Foi medicado convenientemente pelo
seu psiquiatra e ainda acompanhado por uma psicóloga clínica. No entanto, os
antidepressivos e a psicoterapia não impediram que tivesse várias recaídas ao longo
desses cinco anos, entre as quais uma extremamente grave, que o conduziu finalmente
ao seu pedido de análise. No espaço de apenas um ano, esta permitiu-lhe não só falar
pela primeira vez da pressão que tivera em criança, da analogia de estrutura entre essa
pressão e a presente depressão, mas também de se libertar de ambas.
Não generalizo este exemplo nem quero com ele rejeitar em bloco a investigação sobre
os antidepressores. Serve apenas para sugerir que talvez fosse conveniente utilizar estes
fármacos o menos possível ou só em casos imprescindíveis.
Mesmo defendendo o bom uso dos psicofármacos, o actual director do Hospital Júlio de
Matos, Luís Gamito, dizia, nas X Jornadas do Centro de Estudos de Psicanálise, que se
existissem mais psicólogos nos serviços de saúde haveria muito menos despesas com
medicamentos. Só que é evidente que isto não interessa todos os que ganham dinheiro
com a produção e a venda destes produtos.
Diante do constato que o progresso da psiquiatria e da psicologia pouco ou nada
mudaram à história da doença, há mesmo quem aconselhe uma menor dose de psis, e
mais meia hora de marcha três dias por semana, de arranjar uma actividade social
mobilizadora, ou pelo menos três amigos com quem conversar e divertir-se.
Consideremos, finalmente, a hipótese que um tratamento químico e de uma terapia
comportamental que tenham sido capazes de modificar os sintomas de depressão
descritos pelo DSM-IV. O que resta é sempre um sujeito que continua sem saber se o
seu mal tinha outras razões e motivos, por exemplo, inconscientes e pulsionais. É para
aqueles que desejam verdadeiramente saber o que se passa também consigo a este nível
Posso resumir aquilo de que falei até agora, dizendo que a concepção actual da
depressão é uma construção da psiquiatria americana e europeia conseguida na
associação da neurobiologia, do dinamismo farmacêutico, da epidemiologia e da
estatística. Graças à magia de uma contabilidade duvidosa, que assimila hoje
praticamente tudo o que é sofrimento psíquico à depressão, esta tornou-se um dos mais
graves problemas da saúde à escala mundial. Mas, simultaneamente, a mesma ficção
científica promove a ideia da diminuição proporcional de todas as outras doenças
No meio psicanalítico, Wildlöcher não destoa muito deste senso comum. Ele concebe a
depressão como uma resposta adaptativa inata às inevitáveis situações de separação e de
impotência. A prova que fornece desta base orgânica é que o fenómeno depressiogénico
é observável não só no lactente humano como noutras espécies animais. É apenas
quando falha a resposta natural aos estímulos que afectam negativamente a máquina
homeostática que a depressão normal se torna patológica, por vezes, uma doença
irreversível, levando a um enfraquecimento do património genético.
No seguimento desta tese, Widlöcher é levado a afirmar algo que é ao mesmo tempo
corajoso e paradoxal para um psicanalista que tem funções de chefia na IPA, a saber,
que a psicanálise só pode ter um papel preventivo relativamente à depressão. No resto, a
psicanálise e as psicoterapias são ineficazes, contrariamente aos medicamentos.
A depressão na era da televisão
O paradigma médico dominou a abordagem dos estados depressivos até ao final dos
anos 50. Dois modelos se impuseram então: o organicista e o dinâmico. O primeiro
situava o locus ou a causa imediata da doença na estrutura do organismo; o segundo – e
recordo que foi uma época onde a IPA exigia que o psicanalista fosse médico – remetia
a origem do problema para um conflito psíquico, gerado nos vínculos precoces do bebé
A partir dos anos 50, as novas técnicas comportamentais vieram opor o seu
pragmatismo terapêutico a estes dois modelos. Elas pretenderam ocupar-se directamente
dos sintomas e não das suas causas, supostamente escondidas nas profundezas do
organismo físico e psíquico; para tal, servir-se-ão dos estudos sobre a aprendizagem dos
psicólogos experimentais para poderem descondicionar os comportamentos
disfuncionais e recondicionarem-nos de forma correcta.
Desde logo, passaram a existir pelo menos três maneiras de encarar a depressão: a) a
estritamente médica, que continuou a ver na depressão uma doença resultante de
disfunções orgânicas e para o tratamento da qual é necessário o uso de químicos com
efeitos antidepressivos; b) a da psicoterapia, dominada hoje pelas técnicas cognitivo-
comportamentais12, as quais encaram muitas vezes a depressão como o resultado de um
desespero aprendido c) e a da psicanálise, que permanece dividida entre a
psicodinâmica da relação precoce (ao estilo kleniano ou bioniano) e a abordagem
No início dos anos 70, Lacan explicou que a depressão massiva de que se começou a
falar é também a da era televisão. A tele-visão é esse novo olhar que invadiu o
quotidiano, impediu as conversas domésticas, hipnotizou ou fixou a vista de cada
membro da família no pequeno ecrã, e acabou por uniformizar a informação e teleguiar
os pensamentos e comportamentos de todos.
12 Cf. AT. Beck, AJ Rush, BF Shaw e cols: Cognitive therapy of depression. Guilford, New York, 1979.
Assim, não foi por acaso que Lacan escolheu este meio de comunicação de massa para
enunciar os seus mais conhecidos aforismos sobre a depressão. Tratou-se de uma
espécie de prenda de Natal oferecida aos telespectadores da radiotelevisão francesa
(ORTF), em 197313. Se fosse no Natal deste ano, talvez tivesse também utilizado a
Lacan não falou aos telespectadores da depressão como alteração neuroquímica, inércia
social, ou angústia da perda do amor. Ele preferiu publicitar um segredo de polichinelo,
a saber, que existe no deprimido uma terrível vontade de dizer mal de si, e que é nisso,
paradoxalmente, que encontra a sua maior satisfação. O que o psicanalista propõe desde
logo ao deprimido para sair da sua depressão é de dizer verdadeiramente o que o faz
À partida, trata-se de retomar o gosto pela verdade. Lacan dá o exemplo no começo da
emissão, explicando aos telespectadores que diz sempre a verdade, não toda, porque é
literalmente impossível, mas bem dita. Esta é a preocupação essencial da psicanálise,
não como medicina (guérison), mas como ética de bem-dizer (bien-dire) o que é mal-
O que se vê todos os dias na televisão é quase sempre deprimente. Por esta razão, é do
interior do aparelho que deve repentinamente surgir a voz que objectiva esse gozo dos
que são telespectadores da existência. Foi a esta voz anónima que Lacan quis dar voz no
Lacan vocifera na televisão que é quando o sujeito deixa de questionar o que realmente
deseja que começa a instalar-se no seu pensamento a dúvida (Descartes), a tenção psicológica (Pierre Janet), a culpa e, finalmente, essa emoção primária que é a tristeza
13 Jacques Lacan: Télévision, Seuil, Paris, 1974. 14 Esta voz não é propriamente a de Lacan ou este apenas lhe oferece um suporte. Basta pensar que existem pessoas que tem a caixa de imagens ligada o dia inteiro sem prestar a mínima atenção ao aparelho de televisão; o que lhes interessa é que a coisa fale, para não deprimir ainda mais.
A tristeza pode ser normal e até útil, porque obriga o sujeito a parar e reflectir. O
problema surge quando a tristeza sacrifica a busca da verdade e se torna a satisfação
paradoxal desse estado depressivo permanente que alguns chamam de doença.
Nem sempre se utilizou o vocabulário médico para falar da tristeza. Por exemplo, na
Idade Média a tristeza era um dos sete pecados capitais ou mortais, juntamente com a
gulodice, a luxúria, a avareza, a cólera, a vaidade e o orgulho. Uma das espécies
particulares da tristeza, a accedia, conduzia ao cansaço e à preguiça, mas era sobretudo
caracterizada pela falta de cuidado consigo e com o Outro.
Na Soma Teológica, São Tomás de Aquino não define a tristeza como um simples
estado de alma, mas como uma dor moral relativa a um certo objecto. O estar ou não
triste depende da recusa ou aceitação desse objecto pelo sujeito, se o objecto lhe
provoca angústia (anxietas) ou alegria (gaudium).
Na Divina Comédia, Dante coloca a tristeza no Inferno, porque esta inspira também o
horror pelo objecto mais elevado. Na verdade, é um defeito do pensamento, que leva a
alma a tratar-se mal e ao corpo. O triste tanto diz mal de si como maldiz o mundo.
Na Ética de Espinosa, a tristeza é uma falta moral, a cobardia daquele que sacrifica a
essência do homem abandonando o amor intellectualis dei, o desejo de procurar a
verdade suposta conduzi-lo à divina substância. Neste caso, a tristeza resultaria do
abandono do desejo cuja causa está em Deus.
Por todas estas razões, entende-se que Lacan tenha defendido que o deprimido em
análise deve sobretudo procurar bem-dizer o que diz mal.
O sujeito da psicanálise não é uma alma pecadora à procura de Deus. Quem fala ao
analista só obtém uma espécie de suplemento de alma depois de ter atravessado o
labirinto do pensamento inconsciente e do corpo pulsional.
É quando há rejeição do inconsciente, que surge o retorno psicótico do real que foi
excluído da fala, como é o caso na excitação maníaca. A depressão não implica
forçosamente a rejeição total do inconsciente; o que se passa normalmente é que o
sujeito deprimido não faz um esforço de pensamento suficiente para se situar na
estrutura de linguagem do inconsciente, para aí procurar e encontrar a palavra
verdadeira, que o conduza finalmente ao real do gozo escamoteado pelo seu mal-dizer.
Há quem pense que a busca da verdade na psicanálise visa o sentido sexual de todos os
fenómenos psíquicos, Outros julgam, simplesmente, que a psicanálise é uma semântica
de si mesmo (self). Não é erro, é ilusão, explica Lacan na televisão, pois o gay sçavoir
que a psicanálise obtém sobre a tristeza segue unicamente a via do signo.
O sintoma como signo é diferente do sintoma como significante. De facto, o sintoma
analítico não é só uma formação do inconsciente que a linguagem estrutura, pois ele
inclui também a parceria do sujeito com o seu objecto de satisfação pulsional e
fantasmática. O signo lacaniano é precisamente este gozo misto de significante (um) e
Qualquer formação do inconsciente (sonho, etc.) mostra que houve uma cifragem
particular do gozo representado na realidade psíquica. Ora, é o significante, do fonema à
frase, que fornece também a cifra do sentido de cada formação do inconsciente. Desde
logo, como explica Lacan, é na decifragem que se encontra o gozo do inconsciente.15
A interpretação do inconsciente só se efectua verdadeiramente numa análise, pois fora
dela não temos o mínimo meio de saber o que é o inconsciente. Quando o deprimido
pede uma análise, começa a aceitar a hipótese do inconsciente. Desde logo, vai
deixando a sua depressão, para se dedicar à interpretação do que a causa. Não cabe ao
analista interpretar, por sua vez, o sentido do que diz o deprimido em análise, pois isso
apenas aumentaria o seu gozo de decifrar o inconsciente.16
15 Permitam-me que dê aqui como exemplo o sonho de Bruxelas que referi em dois dos meus livros: José Martinho, A minha psicanálise. Fim-de-Século, Lisboa, 1997, p. 43-44; José Martinho, Ditos II, Fim-de-Século, Lisboa, 2003, p. 74. Neste sonho, é o significante que fornece à sonhadora a cifra do sentido que tem a palavra Bruxelas. Para entender este sentido, não é suficiente ir ao dicionário procurar um significado comum de Bruxelas. A cifragem inconsciente que é feita neste sonho a partir dos fonemas da palavra Bruxelas (a separação e junção de Bruxas e elas) vale como insulto dirijido às mulheres que obrigaram a sonhadora a recorrer a um analista. E no sonho que a analisanda conta ao seu analista, trata-se de um sintoma da neurose de transferência, do signo de amor que lhe endereça para agradecer o que já fez por ela. 16 Cf. Jacques-Alain Miller: L'oubli de l'interprétation in La Lettre mensuelle, nº 144, Navarin, Paris, Dezembro de 1995, p. 2, e L'interprétation à l'envers in La Cause freudienne, nº 32, Navarin, Paris, Fevereiro de 1996.
Se o sujeito que goza da liberdade de palavra (regra fundamental) procura encontrar o
sentido inconsciente do seu sintoma, cabe ao acto analítico cortar a relva do sentido, de
modo a impedir a decifragem do inconsciente na qual passou a consistir o gozo do
A infindável procura do sentido constitui mesmo uma das grandes dificuldades do fim
da análise. Mas para aqueles que não estão em análise, esta interminável decifragem
tende para a interpretação delirante, cujo modelo é fornecido pela psicose paranóica,
estrutura clínica que Lacan mostrou estar também na base da personalidade psíquica e
Uma outra possibilidade é que, com o esgotamento que acaba por afectar o eu que anda
à procura do sentido que lhe falta,17 o gozo se torne mórbido e suicida, numa palavra,
Se a nossa época de individualismo exarcebado é menos paranóica do que depressiva, é
porque o Outro perseguidor que constitui o paranóico deixou aí de ter peso. Desde logo,
foram os sinais de depressão que passaram a caracterizar melhor o que o real tem de
17 É este esgotamento do ego que M. Klein teorizou como posição depressiva no final da análise, e Lacan como destituição subjectiva.
Fokale Dystonie bei einer 21jährigen Querflötistin – Diagnostik, Therapie & Verlauf E.J. Seidel, A. Fischer, E. Loosch, E. Altenmüller, E.Lange Unter fokalen Dystonien (wörtlich übersetzt: „auf bestimmte Muskelgruppen beschränkte Fehlanspannung“) versteht man unwillkürliche, meist schmerzfreie muskuläre Verkrampfungen und Dyskoordinationen in umschriebenen Muskelgrupp
HOJA INFORMATIVA PARA LOS INVERSORES SOBRE BIRMANIA Última actualización: 6 de diciembre de 2007 Datos clave sobre Birmania Birmania es un estado internacional paria, gobernado por un régimen militar que no tolera ninguna disensión, reprime a sus minorías étnicas y ejerce un poder absoluto pese a las condenas y sanciones internacionales. El país es notorio por sus violacion